Amane era péssimo em qualquer tipo de trabalho doméstico, mas o que ele fazia pior era a limpeza.
Surpreendentemente, ele realmente sabia cozinhar. Para ser mais específico, ele pode preparar algo quente e, geralmente, tecnicamente comestível, desde de que estivesse disposto a deixar de lado preocupações mesquinhas, como aparência ou sabor, e também presumisse a possibilidade de lesões corporais graves em algum momento durante o processo. Ele não era completamente incapaz de preparar alguma refeição.
Lavar roupas estava tudo bem, também. Isso era possível para qualquer um, até mesmo para o Amane. Se fosse preciso, sempre havia a opção de levar suas roupas em uma lavanderia. Tudo se resumia a enfiar tudo dentro da máquina e deixá-la lavando com detergente e água. Amane podia fazer isso sem problemas. A única coisa que ele estava absolutamente desesperado, era a limpeza.
“O que eu faço?”
Em um fim de semana, Amane tinha finalmente se cansado de ouvir sermões dia após dia da Mahiru e Itsuki, sobre a limpeza de seu apartamento, e resolveu fazer algo a respeito. O único problema era que o Amane estava completamente sem saber como começar.
Ele sabia que isso era culpa dele, mas o primeiro problema era que suas coisas estavam espalhadas por toda parte, e ele não conseguia imaginar como poderia começar a colocá-las em ordem. Sem saber o que fazer, Amane começou lavando seus lençóis e arejando seu futon.
Qual o próximo? ele perguntou-se. Roupas e revistas estão espalhadas por toda parte, então não há espaço para andar.
Uma pequena clemência era que ele sempre jogava fora qualquer lixo de maneira correta, portanto não havia mau cheiro ou manchas de gordura. Era simplesmente uma quantidade enorme de bagunça; o suficiente para parecer um problema intransponível.
Enquanto o Amane suspirava suavemente diante do amontoado de trabalho à sua frente, a campainha tocou. Ele soltou um pequeno suspiro.
Ao invés de uma visitante regular, ele passou a pensar na sua vizinha mais como uma entregadora, uma bênção vinda dos céus que apenas entregava presentes e depois ia embora. Mesmo enquanto ele estava diante de seu quarto bagunçado, no entanto, a Mahiru parecia uma salvadora.
Amane lutou até a porta da frente, mas não conseguiu se equilibrar. Ele tropeçou, segurou-se e se arrastou cuidadosamente pelo resto do caminho, até a porta com uma mão pressionada contra a parede para se equilibrar.
“Desculpa, eu queria pegar o meu recipiente um pouco mais cedo hoje… O que você está fazendo?” Mahiru perguntou quando o Amane abriu a porta.
“...Eu estava tentando limpar.” Ele admitiu.
Mahiru olhou para o Amane, ainda desequilibrada, com uma expressão de espanto.
“Ouvi um barulho alto agora há pouco.” Ela disse.
“...Eu quase caí.”
“Eu aposto que sim. Você ainda nem começou a limpar, não é?”
“Eu não tenho certeza de como começar.”
“Dá para perceber.”
Amane fez uma careta ao ouvir o comentário da Mahiru. Não foi menos sincero do que o normal, e o Amane realmente não conseguia pensar em nada que justificasse sua falta de progresso. Além disso, ele sabia que se ficasse emburrado agora e se irritasse, não conseguiria obter o conselho dela sobre como limpar seu apartamento. O problema era que ele não sabia exatamente como pedir a ajuda da Mahiru.
Eu estava esperando receber algumas dicas de limpeza, mas me pergunto se ela realmente vai me dar algum conselho…
Amane hesitou quando viu que a Mahiru estava olhando além dele, para a bagunça.
Seus olhos demonstraram o seu choque com a cena desastrosa atrás dele. Deve ter sido uma visão realmente horrível.
“Inacreditável… Eu vou lhe ajudar a limpar seu apartamento.”
“Huh?”
Até mesmo o Amane sabia que seria muita cara de pau pedir para a Mahiru ajudá-lo a limpar. Esse é o porquê dele estar planejando ver se ela tinha algum tipo de sugestão. Ele nunca ousou imaginar que a Mahiru iria se oferecer para ajudá-lo.
“Eu odeio a ideia de que o apartamento ao lado do meu é tão imundo.” Palavras tão esmagadoras, mas novamente, Amane não tinha argumentos a oferecer. “Você deve achar que é muito fácil morar sozinho, mas até você mesmo não consegue fazer uma limpeza. Pior ainda, você age como se isso não fosse um problema, como se tudo fosse se resolver sozinho, mas isso claramente não vai acontecer. Por que você não para, e tire um momento para olhar para si mesmo?”
Amane ficou sem palavras. A mãe dele tinha dito para ele, que se ele fosse diligente sobre fazer uma limpeza regularmente, seria muito mais fácil, mas ele a ignorou, e esse foi o resultado. Ele tinha plena consciência de que estava sofrendo as consequências de suas próprias ações.
“Olha, desde que você mantenha uma rotina de limpeza, seu apartamento não ficará um caos de novo. Está óbvio que você tem alguns hábitos terríveis.” Mahiru disse.
“...Você está totalmente certa.” Amane concordou.
Ele não podia ficar bravo com ela. Ele lhe devia muito, e ela estava sendo tão gentil com ele. Fora que tudo que ela estava dizendo sobre seu comportamento anterior era verdade. Ele havia subestimado o quanto seria difícil morar sozinho, e ele realmente assumia que tudo se resolveria de algum jeito, e esse foi o resultado. Amane só pôde acenar solenemente com as palavras da Mahiru.
“Bom, está tudo bem se eu começar por este quarto?” Mahiru perguntou.
“...Está tudo bem para você?” Amane respondeu com uma pergunta.
“Eu sou quem está se oferecendo, então é claro que está. Eu vou me preparar, enquanto faço isso, se você tiver alguma coisa que não queira que eu veja, ou qualquer objeto de valor, coloque em um armário e tranque, por favor.
“Eu não estou preocupado com isso.”
Amane se recusava até mesmo a cogitar a ideia de que alguém que havia sido tão gentil com ele, apesar de suas palavras afiadas, pudesse roubá-lo. Sem falar que a Mahiru era muito bom coração para prejudicar alguém assim.
“...Você não está?” ela perguntou.
“Não existe nenhuma chance de que você fizesse algo assim,” Amane respondeu.
“Não, não foi isso que eu… olha, você não está preocupado que eu possa ver alguma coisa que, como um garoto, você prefere esconder?”
“Ah… uh, bom, infelizmente não tenho coisas assim.”
“Bom, neste caso, está tudo bem, então. Certo, estou indo trocar de roupa e ir buscar alguns suplementos de limpeza. Eu não levo a limpeza na brincadeira, você sabe.”
Mahiru retornou para seu apartamento, e o Amane a viu partir com um sorriso irônico.
Ela voltou vestindo roupas diferentes: uma camiseta branca longa e calça de cor cáqui. A camiseta seguia de perto as linhas do corpo dela, o delicado tecido destacando plenamente as curvas e bordas. Os longos cabelos da Mahiru foram habilmente presos em um coque perfeitamente, e o Amane se sentiu estranhamente desconfortável por poder ver a nuca branca de seu pescoço.
Anteriormente, ele só tinha a visto em vestidos e saias, e achou que tinha algo revigorante nesse visual. Amane havia pensado antes que roupas de meninos, como essa, provavelmente não lhe cairiam bem nela, mas ele estava claramente errado. Ele estava começando a perceber que garotas bonitas ficam boas em qualquer coisa que elas colocam.
Este novo conjunto de roupa parecia confortável para movimentar-se pela casa, mas também era um visual que a Mahiru poderia ter usado pela cidade. Amane nunca teria imaginado que essas eram as roupas que ela não se importava de sujar.
“Você não liga se elas ficarem sujas?” Amane perguntou.
“Eu estava planejando jogá-las fora em breve, portanto não há problema se elas ficarem um pouco sujas.”
Mahiru examinou o cataclisma que era o apartamento do Amano e suspirou baixo. “Eu só vou dizer uma vez: nós vamos limpar minuciosamente, entendeu?”
“...Eu entendi.”
“Bom, então vamos lá. Eu não vou pegar leve com você, e não vou deixar terminado pela metade. Eu suponho que você não tenha objeções, têm?" Mahiru fez a pergunta com tanta força que Amane não pôde fazer nada além de responder afirmativamente.
Assim começou a grande batalha para limpar o apartamento do Amane. Uma batalha liderada por um anjo.
“Antes de mais nada, vamos jogar as roupas no cesto de roupa suja. Normalmente, quando você limpa, você começa de cima para baixo, mas primeiro temos que lidar com a bagunça no chão antes de podermos ligar o aspirador. Antes de começarmos a lavagem, podemos dividir as roupas em cargas diferentes, pois são muitas para lavar de uma só vez. Você quer dividi-los em roupas que você usa e que não usa? ou quer lavar tudo?”
“Faça como quiser…,” Amane respondeu. Parecia tão óbvio para ele agora. É claro que eles tinham que limpar o chão antes de fazer qualquer coisa.
“...Não tem roupas íntimas largadas nem nada por aqui, certo?”
“Elas estão na minha gaveta, como seria de esperar.”
“Tudo bem, então. Provavelmente podemos deixar a lavagem para depois, pois mesmo que lavasse e secasse, vamos levantar poeira ao limpá-las e acabar tendo que lavar de novo. Se você não estiver com pressa, pode lavar as roupas depois que terminarmos a limpeza.”
“Certo.”
“...Agora, em relação às revistas. De fato, a única coisa a fazer é jogá-los fora. Suponho que seria uma história um pouco diferente se você estivesse colecionando, mas pela maneira como você mantê-los empilhados em toda parte, duvido que seja esse o caso. Se você quer guardar alguma parte delas, rasgue uma página e coloque-a em um álbum de recortes, depois descarte o restante. Amarre todas as revistas das quais você está se livrando e coloque-as para serem recolhidas.”
Mahiru começou a limpar imediatamente, instruindo o Amane a colocar suas roupas sujas no cesto, enquanto ela recolhia todas as revistas. Ela contou para o Amane falar se tinha alguma que ele queria manter, mas não havia nada em particular que ele precisasse, então ele simplesmente balançou a cabeça. Depois de receber a resposta que precisava, Mahiru habilmente amarrou o embrulho usando um cordão de plástico que aparentemente havia trazido com ela.
“Quando você terminar de juntar as roupas, por favor, examine as outras e decida se vai jogar alguma coisa fora. Todas essas coisas no chão: da mesma forma que antes, separe-as entre o que você vai manter e o que não precisa. Depois, coloque o último no lixo. Entendeu?”
“...Uh-huh,” Amane respondeu mansamente.
“Se você não tiver problema em receber ordens, é melhor você me contar agora.”
“Não, eu não tenho, mas… Eu apenas estava pensando em quão rápido você está fazendo tudo isso.”
“Se eu não fizer, ficaremos sem tempo. Está um caos total aqui, afinal de contas.”
“Você está certa.”
Mesmo sendo um fim de semana, o tempo era limitado. Se eles fossem passar o aspirador, teria que ser durante o dia, já que o barulho seria um incômodo para os vizinhos. Como a Mahiru sabia que seria preciso muito esforço para deixar o local em um estado que pudessem passar o aspirador, ela estava trabalhando para arrumar o mais rápido possível.
Uma parte do Amane se sentiu mal por tê-la deixado fazer tanto. Por outro lado, sob a direção da Mahiru, cada vez mais o chão começou a aparecer pela primeira vez em muito tempo.
“Professora Shiina…,” Amane murmurou.
“Se você vai me pedir orientação como se eu fosse um professor, primeiro aprenda imitando. Eu não vou mexer em seus pertences pessoais, então, por favor, seja diligente e guarde apenas o que você realmente precisa,” Mahiru instruiu.
“Sim, senhor.”
“Por favor, não se dirija a mim como um homem.”
O anjo devolveu com indiferença os golpes do Amane, enquanto ela habilmente limpava mais da bagunça com uma expressão séria o tempo todo.
Amane tinha um péssimo hábito de acumular lixo inútil, e ele estava grato pela decisão da Mahiru e inveja dela. Aqui estava ela, no apartamento de um estranho, recolhendo a bagunça sem hesitação. Ela realmente era uma imagem perfeita de um anjo.
Mahiru era tão eficiente que ela poderia facilmente ter limpado todo o local sozinha se quisesse. No entanto, provavelmente por estar com pressa, ela se descuidou com os passos. Não existiam dúvidas, de que a culpa era do Amane por tê-lo deixado no chão, mas a Mahiru escorregou em uma peça de roupa descartada e perdeu o equilíbrio.
No instante em que um pequeno “Ah!” escapou da boca da Mahiru, Amane lançou-se do outro lado da sala, mirando no local que provavelmente a Mahiru cairia.
Uma fragrância leve e doce misturada com cheiro de mofo da poeira levantada no pânico.
Amane caiu de costas, o que fez com que seu traseiro sofresse uma picada fraca, mas era tolerável. Ele gemeu um pouco ao sentir o peso da Mahiru pressionado-o.
Ela deve estar feliz por eu tê-la pego logo.
“...Fujimiya?” Mahiru olhou para ele. Ela não parecia irritada, mas também não parecia particularmente feliz com a situação. Em grande parte, ela parecia apenas surpresa. “Eu posso aceitar a culpa pela queda, mas é exatamente por isso que você deve arrumar tudo, porque caso contrário, coisas assim estão fadadas a acontecer.”
“Eu sinto muito, sério, sinceramente… você não está machucada, está?” Amane perguntou.
‘Eu estou bem. Obrigada por se esforçar para me pegar. Me desculpe, também.”
“Não. É tudo minha culpa…”
Amane não seria capaz de suportar se a Mahiru tivesse se machucado enquanto o ajudava, especialmente considerando que ela já estava compartilhando refeições com ele. Isso teria sido absolutamente imperdoável; ele nem seria capaz de olhá-la nos olhos.
Se ele precisasse, ele estava disposto a se ajoelhar e pedir perdão, mas a Mahiru não parecia muito chateada com seu tombo.
"Nós estamos limpando tudo para que coisas como essas não aconteçam mais, entendeu?”
“Sim. Eu sinto muito mesmo.”
“Está tudo bem; você não precisa se desculpar. Eu estou ajudando você porque estou com vontade, afinal de contas.” Mahiru parecia um pouco confusa enquanto olhava para o Amane.
Amane de repente, percebeu o quão perto eles estavam e que ela estava se pressionando contra ele. Para um garoto que basicamente nunca interagia muito com garotas frequentemente, esta era uma situação de tirar o fôlego. Embora nenhum dos dois tivessem sentimentos românticos um pelo outro, havia algo de muito errado nisso.
Mahiru não parecia estar ciente da situação, então o Amane gentilmente agarrou seu ombro e a empurrou para longe dele; então ele se levantou antes que o constrangimento pudesse ser visto em seu rosto.
“Devemos… continuar a limpeza?” Ele conseguiu dizer depois de um tempo.
“Sim, é uma ótima ideia,” Ela respondeu. Felizmente para o Amane, ela parecia desatenta de seu tremor, pois agarrou a mão que o Amane estendeu e levantou.
Mahiru não parecia se dar conta de quão perto ela estava pressionada contra ele, porque ela apenas manteve sua expressão habitual. Amane imaginou que uma garota como a Mahiru devia estar acostumada com a atenção de muitos garotos. Certamente, um pequeno contato como esse não seria o suficiente para incomodá-la como aconteceu com ele. Mesmo que a situação fosse totalmente desconhecida, ele se esforçou ao máximo.
“Você é cheio de surpresas.”
Amane estava muito concentrado em sua luta para perceber as palavras silenciosas que escaparam dos lábios da Mahiru, nem viu suas orelhas, escondidas por seus cabelos de cor palha, tinham ficado ligeiramente vermelhas.
“Ufa, agora sim, está limpo.”
No fim, a dupla levou o dia inteiro para limpar o apartamento do Amane.
Várias horas foram gastas arrumando a bagunça no chão e, então lavar as roupas, tirar o pó das prateleiras e luminárias, esfregar as janelas e aspirar, o dia inteiro passou voando antes que eles percebessem.
O sol estava visível quando a Mahiru chegou, mas já havia se posto há muito tempo, uma prova de quanto tempo ela e o Amane estavam trabalhando.
Certamente, não foi uma tarefa fácil, mas os esforços não foram em vão. O apartamento estava tão limpo, que ele mal reconheceu. Não havia bagunça desnecessária, e ele podia ver o chão! Os vidros e as molduras das janelas, antes sujos, não tinham um único grão de sujeira sobre eles. As luzes, também, brilhavam mais agora que foram espanadas. O local estava finalmente limpo. Sem todo o lixo amontoado em todas as superfícies, na verdade parecia ser um espaço bastante confortável.
“E pensar que levamos um dia inteiro.” Mahiru observou.
“Acho que é isso que é preciso quando está uma bagunça enorme…” Amane respondeu.
“Mas, a bagunça era sua.”
“V-você está certa.”
Amane curvou-se verbalmente diante de sua salvadora angelical, que teve misericórdia dele. Mahiru, que havia desperdiçado um de seus preciosos dias de fim de semana ajudando-o, terminou de amarrar um saco de lixo com um olhar atormentado. Ela não parecia chateada, mas uma pitada de fadiga apareceu em seu rosto, embora estivesse misturada com uma sensação de realização. Isso era normal, já que ela havia trabalhado o dia todo.
Depois de tudo o que aconteceu, Amane teria vergonha de simplesmente deixar a Mahiru fazer o jantar. Seria imperdoável esperar que ela trabalhasse mais, quer ela compartilhasse parte de sua comida com ele hoje ou não.
“Agora que está tarde, eu não estou com vontade de ir fazer compras, então eu vou pedir uma pizza ou qualquer coisa. Afinal de contas, você esteve me dando todos os tipos de refeições e outras coisas,” Amane ofereceu.
“Oh, Mas—” Mahiru começou, mas foi rapidamente cortada.
“Se você não quiser comer comigo, eu irei pedir uma para você, e você poderá comer em seu apartamento.”
Esse gesto foi mais para demonstrar gratidão do que fazer a Mahiru comer com ele, então se ela quisesse comer sozinha, ele não ligaria.
“...Não foi o que eu quis dizer. É só… eu estou surpresa, porque eu nunca pedi uma pizza.”
“Huh, você nunca pediu uma pizza?”
“Sim, eu moro sozinha, mas eu nunca pedi uma pizza… eu mesma faço, entretanto.”
“É incrível que você tenha pensado em fazer isso,” Amane exclamou.
Normalmente, se alguém decidisse que queria pizza, as três opções eram comprar uma pronta na loja, receber em domicílio ou comer em um restaurante. Ele tinha certeza que havia poucas pessoas que pensariam em passar pelo longo e trabalhoso processo de fazer uma do zero.
“Bom, não há nada de estranho em pedir uma pizza para entrega.” Amane afirmou. “Eu faço isso o tempo todo; peço uma entrega ou vou a um restaurante familiar sozinho…sabe, como a maioria das pessoas.”
“Na verdade, nunca estive em um desses também.” Mahiru admitiu.
“Isso é raro. Vou sozinho com frequência, e meus pais vão a restaurantes sempre que não estão com vontade de cozinhar. Eu acho que seus pais não são do tipo que comem fora, não é?”
“Em nossa casa, a empregada fazia as refeições.”
“A empregada? Cara, você deve ser muito rica.”
Descobrir que a Mahiru era fabulosamente rica explicava muito. Certamente esclareceu o porquê dos trejeitos da Mahiru serem tão graciosos e refinados, e porque suas roupas e pertences eram sempre de alta qualidade. Até o modo de andar da garota parecia falar de uma educação rica.
Ao ouvir as palavras do Amane, Mahiru abriu um sorriso fino. “Você está certo, eu acho que eu sou relativamente bem-sucedida.”
Rapidamente, Amane começou a se arrepender do que havia dito, percebendo que o sorriso da Mahiru não era de prazer ou orgulho, mas sim uma demonstração de zombaria. Parecia que a sua família era um assunto que era melhor deixar de lado, e o Amane não planejava se intrometer mais.
Todo mundo tem uma ou duas coisas que preferem não contar sobre. É educado respeitar isso, especialmente com pessoas que você não conhece muito bem.
“Bom, então vai ser uma experiência interessante, não vai? Aqui, peça o que quiser.”
Deixando de lado o assunto dos pais da Mahiru, o Amane lhe mostrou um cardápio de uma pizzaria, onde ele ocasionalmente fazia pedidos. De todos os lugares que entregam, esse era o melhor. A pizza deles não era páreo para uma cozida em um autêntico forno a lenha, é claro, mas eles ofereciam uma grande variedade de coberturas. Suas opções variam para coisas mais adequadas para crianças, então o Amane imaginou que certamente haveria algo que agradasse os gostos da Mahiru.
A Mahiru aceitou tanto a mudança de assunto quanto o cardápio da pizzaria. Ela imediatamente começou a examinar a lista de opções, com seus olhos castanhos luminosos atraídos pelas muitas fotos coloridas de diferentes pizzas. Seus olhos não costumam ser muitos expressivos, mas agora eles brilhavam intensamente.
Ela deve estar realmente ansiosa por isso, Amane pensou.
Mahiru parecia um pouco nervosa, mas depois de pensar um pouco, ela apontou para uma pizza de festa com quatro tipos de coberturas e disse, hesitante, “Certo, este parece bom.” Ela olhou com expectativa para o Amane.
Com um leve sorriso, Amane assentiu, pegou o telefone e discou o número impresso no cardápio. Os olhos da Mahiru brilharam com expectativa.
Uma hora depois, a pizza chegou. Mahiru cavou sem hesitar. A pizza foi dividida em seções para que os diferentes sabores pudessem ser provados individualmente, e ela hesitou um pouco sobre qual experimentar primeiro, mas finalmente decidiu começar com um pedaço coberto com uma boa porção de bacon e linguiça.
Amane não ficou surpreso quando a Mahiru mordiscou sua fatia com pequenas e delicadas mordidas. Ele supôs que sua educação refinada a ensinou a comer de tudo com equilíbrio e graça, até mesmo pizza de entrega.
Observar a Mahiru deu a Amane uma sensação de calor por dentro, como se estivesse observando um pequeno e fofo animal. Ela estava estranhamente adorável quando seus olhos se fecharam e sua expressão relaxou um pouco enquanto ela mastigava o queijo elástico. Normalmente, a garota parecia tão madura; entretanto, neste momento, ela finalmente parecia ter a idade que tinha.
Amane reprimiu um desejo intenso de dar tapinhas na cabeça da Mahiru, enquanto ela saboreava a pizza com pequenas mordidas.
“Hã...O que?” ela perguntou.
“Nada, você apenas parece estar gostando,” Amane respondeu.
“Por favor, não fique me encarando muito.”
O olhar de reprovação que ela lançou para o Amane não foi nada fofo, no entanto.
“Nossa, você realmente não tem charme...”
“Bom, isso me cai bem. Se eu fosse agir como sempre faço na escola, você diria que estou deixando você desconfortável.”
“Sim, acho que é verdade. Eu estou mais familiarizado com essa sua versão, do que a versão da escola.”
Na escola, Amane quase nunca via a Mahiru, e eles certamente nunca se falaram. Ele apenas ocasionalmente a via de relance, e ela sempre exibia aquele sorriso impenetrável que mostrava para todos.
Aqui, ele conseguia ver além dessa camada. Esta deve ser a verdadeira Mahiru, pensou Amane. Na escola, ela sempre adotou sua personalidade falsa e pública.
“No que me diz a respeito”, ele continuou, “Eu nunca me cansaria desta versão.”
“A versão sem charme?”
“Não guarde rancor… Sabe, como eu posso dizer…? Eu nunca posso dizer o que você está pensando quando está na escola.”
“Principalmente sobre minha agenda e minhas aulas, eu acho.”
“Então até mesmo você pode ficar sem noção de vez em quando, hein?”
Amane quis dizer que a Mahiru sempre parecia ter algum segredo em mente, mas a Mahiru aparentemente levou suas palavras ao pé da letra. Ela olhou para ele com um protesto sutil em seus olhos, como se quisesse dizer algo completamente diferente.
“Eu, uh, não quis dizer isso.” Amane rapidamente acrescentou. “É só… Você não mostra o que está pensando. Tudo o que eu quis dizer é que é mais fácil estar perto de alguém que é honesto sobre seus sentimentos, mesmo que seja um pouco rude, do que alguém que você nunca consegue entender.”
“Você acha que meu comportamento na escola é ruim?’ Mahiru perguntou diretamente.
“Bom, eu realmente não posso odiar isso, já que provavelmente é o segredo do seu sucesso. Eu apenas gostaria de saber se você já se cansou disso.”, Amane disse.
“Na verdade, não. Eu estou agindo assim desde que eu era pequena.”
“Duro de roer, não é?”
Se ela tivesse mantido esse comportamento desde a infância, passando a vida inteira tentando ser a jovem perfeita que todos esperavam que ela fosse, Amane podia entender como definitivamente seria difícil para ela deixar essa personalidade de lado.
Amane conseguiu deduzir um pouco sobre a vida familiar da Mahiru, mas ele sabia que não havia como ele perguntar mais sobre isso.
“Bom, não é legal ter um lugar onde você possa relaxar? E agora você tem até um amigo para relaxar.”
“Sinceramente, eu não acho você nada relaxante. Você faz meu estômago revirar.”
Mahiru afirmou com frieza.
“Me…desculpa.”
Amane se desculpou, um pouco atordoado e Mahiru deu um encolhimento de ombros exagerados e soltou uma risadinha estranha.
Esse último trecho foi um esculacho, até esqueci que a Mahiru era tão cruel e que tinha essa língua tão afiada! Obrigado pelo excelente capítulo!