Lá estava ele, diante de seus olhos, se apresentando para turma. Era agosto e estavam entrando no quarto bimestre. "Por que ele veio para cá?", ela pensava. Também se indagava como seria ele. Sempre pensou que escritores fossem adultos ou velhos cheios de experiência que sentavam em uma cadeira tomando seu café enquanto escrevia. Certo que ele é um adolescente assim como Bia, mas ela acreditava que o restante deva ser verdade. Provavelmente deve ser calmo e responsável. Natália, ao ouvir ele dizendo seu nome, lembrou-se de nossa conversa no dia anterior.
— Ele não tem o mesmo nome daquele escritor? Já pensou se ele escreve também? – Deu uma risada leve.
— Pura coincidência. – Respondeu cabisbaixa para que não percebesse a mentira ali inserida. – Você acha mesmo que eu gostaria de um escritor que fosse adolescente? Quem escreve com essa idade tem um péssimo português ou fica fazendo "A Nerd e o Popular".
— Nerd e popular?
— Silêncio vocês duas. – Ordenou a professora após observar aquilo – Sala de aula é local de aprendizado e respeito. Entenderam mocinhas?
— Me desculpa. – Respondeu rapidamente – Tentarei não repetir o meu erro.
Havia se encerrado aquela apresentação e ele teria de escolher onde se sentar. Havia lugares disponível na frente e no meio, afinal, o fundo da sala é sempre preenchido. Educação sempre evoluindo. Ele se senta na terceira linha de carteiras, a mesma de Bia, e ficava a duas de distância dela. Beatriz entrou em um monologo onde combatia a si mesmo, afinal, não queria encarar o sujeito. Existiam dois dela naquele exato momento: Uma queria se aproximar dele, pois, era seu autor favorito e a outra queria manter distância para evitar burburinhos e, consequentemente, descobrirem a verdadeira face dele. Era algo complicado para ela, não sabia o que fazer e o tempo só passava, isso lhe agoniava.
Durante a aula de português, foi pedido uma atividade em trio para que observássemos um texto com gramática e ortografia incorreta e a corrigíssemos, cada grupo ganharia uma pontuação para sua nota de atividades. Pensou logo em chama-lo, mas as dúvidas lhe viam a cabeça se era o correto. Bia era uma pessoa sociável, mas ela não fazia questão de ter alguém por perto, então, ela sabia o peso de tomar a iniciativa. Torceu para que ele adivinhasse o que lhe passava na mente ou a professora pedisse aquilo. Nenhum dos dois, pois, Maurício lhe havia chamado. O sujeito era alguém que se dava bem com todos, em resumo, o popular, que devido a literatura moderna, era algo detestável.
Sobrou para ela, Natália e Lívia (colega de sala) fizessem isso. A sua amiga e colega de classe mais conversavam do que lia o texto. O assunto? Muryllo. As duas tentavam adivinhar ele, no entanto, havia algo fácil de concluir: Que ele era bonito. Obviamente não era alguém lindo e belo vindo diretamente do monte Olimpo, mas era chamativo para algumas.
— Aposto que ele devia ser popular na outra escola, mas por ser o primeiro dia de aula, esteja acanhado. – Falou Natália – Se continua andando com o Maurício, certamente será quem era.
— Eu não acho isso, ele de fato estar incomodado com o ambiente, mas acho que ele não tem muitos amigos e interação. – Disse Lívia – Não que ele seja antissocial, mas não deve ser acostumado a áurea do Maurício.
— O que você acha do Muryllo, hein Bia?
O que ela achava dele? Ela achava muitas coisas, mas não disse nada disso, porque provavelmente seria mal interpretada e revelaria seu segredo.
— Eu de nada sei. Ele só disse o nome e de onde veio. O que espera que eu deduza?
— Você e suas palavras complicadas. – Bufou Lívia – Já sei! Nossa escola vai jogar os jogos estaduais próximo sábado e podemos aproveitar para aproximámos dele falando sobre futebol e essas coisas. Duvido que exista algum garoto que não goste disso.
— Boa ideia!
— Um momento. – Interrompeu Bia – Vocês querem conhecer ele ou planejam aprofundar uma relação, até o momento, inexistente?
— Amiga, entenda, você acha que a vida de solteira é boa? – Dramatizou Natália – Quer dizer, até que é bom, mas a questão é... ter um boy magia como ele, sem falar que teria momentos inesquecíveis.
Era isso que era dito, mas Bia conhecia bem sua amiga e escutou "Eu não quero ser ridicularizada por não conseguir namorar e quero que alguém pague pelos meus lanches". Nat não tinha jeito.
— Você quem sabe. – Deu os ombros – Agora, vamos terminar isso.
Encerraram aquela atividade após uma aula-horário e entregaram a professora. Eram 21 alunos em sala de aula, o que resultou em 7 trios. A professora avaliou rapidamente nossas correções e anotou, no quadro negro, a pontuação para cada grupo. Ficaram em terceiro lugar e a equipe de Muryllo em quarto, logo atrás de delas. Ela estranhou rapidamente. Como um escritor poderia ficar atrás dela? Certamente ele não queria expor suas habilidades para não chamar atenção. Bem inteligente, ela pensou.
As horas se passaram e tocou o sinal, isso queria dizer horário dos clubes, ou seja, biblioteca. Ela não sabia se Muryllo frequentaria a biblioteca, pois, ao contrário dela, ele poderia entra em algum clube escolar. Não havia um clube de literatura, então, qual seria sua escolha? Ela ficou curiosa, mas seu dever impediu que visse de perto sua escolha. Se despediu de suas colegas e logo foi a biblioteca, novamente pelo caminho solitário. Hoje era dia de limpar alguns livros que eram poucos, ou nem, utilizado. Mesmo acostumada com aquela solidão, isso não era algo que ela desejava. Ela prezava pela privacidade e não fazia questão de viver rodeada de pessoas, mas era triste ir para aquela biblioteca e está só. Bia desejou haver alguém como ela e tinha esperanças que essa pessoa fosse o Muryllo.
— Bom dia. – Disse algum aluno – Estou atrapalhando?
Ela se virou e viu ele, seu escritor predileto. Ainda sem saber como lidar com aquilo tudo, resolveu interagir.
— Depende. – Respondeu friamente – O que desejas?
— Vim aqui para falar contigo.
— Entendi, mas seja rápido, tenho de limpar alguns livros.
— Sabe o livro que você gosta?
— Sei bem.
— Então, eu estou com um pequeno problema.
— E onde entro nisso?
— Uma humilde opinião.
Ela deveria recusá-lo aqui e agora, afinal, tinha seus deveres. No entanto, mais uma vez cedeu para os impulsos. Enfim, a adolescência.
— É para eu ler aqui?
— Exato.
Então ela leu um trecho do livro e percebeu que aquilo era um spoiler. Se sentiu mal por aquilo, mas era a oportunidade perfeita. O texto era sobre um momento onde havia uma gincana de esportes e o protagonista, sério e antipático, ajudava sua turma a ganhar e consequentemente chamava atenção, no entanto, algo lhe incomodou.
— E...Então, eu achei meio exagerado isso. Como assim a garota se declarou para ele só por conta da vitória na gincana. Ela tem alguma promessa feita a si, trauma do passado ou é mais uma pistoleira?
— Pistoleira?
— Sim, sai atirando para tudo que é canto até acertar o coração de alguém.
— Ahhh.
Ela estava impressionada. Como seu escritor, a qual tanto admirava, conseguia escrever algo tão superficial e sem sentido. Ela suportou qualquer tentativa de querer questionar, afinal, nem sempre estamos no melhor dia.
— De novo essa ideia parece um fracasso.
— Espera, essa não é a primeira vez que escreve algo assim?
— Não, não, já escrevi acho que umas cinco vezes, mas a editora recusou fortemente.
"Devolvam meu escritor, por favor!" Ela pensou.
— Ah, use suas experiências de vida para dar realismo.
— Experiência?
— Sim, sim... Um escritor como você já deve ter experimentado o afeto e o amor reciproco de uma garota para escrever coisas assim.
— Você está enganada, eu sequer namorei, mas pelo menos me confessei... Se bem que fui rejeitado, porém, isso não importa.
A garota estava perdida, ela já havia perdido todos os sentidos. Não sabia mais a definição de escritor. Para o dicionário era alguém que usa as palavras escritas para transmitir uma narrativa. Para Bia era usar as palavras para emocionar e impulsionar os leitores. Mas o que era a escrita para Muryllo? Ele parecia desleixado e inexperiente. Por onde se foi todo o glamour dos escritores? Ela admirava alguém que fazia parte da escoria? Seu coração se retraiu.
— Mas sabe, infelizmente errei, entretanto, vou continuar tentando. – Disse e, logo após, soltou uma leve bufada. – Você deve está se perguntando o motivo de eu escrever algo que não vivenciei. Né?
Ela ficou calada, mas seu silêncio era um "sim" para ele.
— Vejamos, você já perdeu algum parente?
— S... Sim.
— Eu nunca perdi um... Não que eu me lembre ou saiba, mas uma vez me mudei para um lugar quando tinha oito anos, deixei meus amigos todos para longe e não havia internet como hoje para se comunicar. Então para mim, eu os perdi. Não crer que passamos pelo mesmo sentimento. Digo, angústia, solidão e esperança.
Ela ficou chocada ao ouvir aquelas palavras. Nunca foram escritas por ele, mas se tivesse sido, teria lhe emocionado mais. Bia parou de questionar tudo e logo percebeu. Ele era o autor que tanto admirava. Sentiu-se envergonhada por duvidar. Como ele disse, experiência específicas são coisas supérfluas quando podemos sentir a mesma coisa independendo da situação.
Olhando e admirando, aquela cena lhe agradava. Pela primeira vez sorriu naquela biblioteca. Pela primeira vez não se sentiu só naquele mundo de papel. Pela primeira vez ela viu seu coração pulsa fortemente.
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